quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A (RE)CRIAÇÃO DO CAMPESINATO

Francisco Antonio da Silva

Assentados do Assentamento Bela Vista, Município de Jaguaruana-Ce, em assembléia
O campesinato é uma classe social que tem sua historicidade marcada pela opressão e violência exercida pelas classes hegemônicas de todos os tempos e de todos os modos de produção. A organização do trabalho social camponês esteve presente nas sociedades escravistas, feudais, capitalistas e socialistas, sendo que a “organização do trabalho familiar no campo existe desde os primórdios da história da humanidade”.[1]
Historicamente o campesinato tem sido considerado um estorvo tanto pelos teóricos da esquerda clássica quanto pelos da direita liberal e neoliberal. Os estudos de Marx, Lênin e Kautsky, por exemplo, apregoam a extinção do campesinato como uma necessidade histórica do desenvolvimento das forças produtivas e da consciência de classe do proletariado agrícola e industrial[2]. A compreensão que têm do campesinato impede-os de ver nele uma classe social, pois uma das características dos camponeses, observada por esses autores, é a desintegração, vivendo isolados em suas unidades de produção. Assim, como os camponeses não têm consciência de classe e nem têm como construí-la, esses teóricos vêm de forma positiva o desenvolvimento do capitalismo agrário, pois possibilita as condições de superação do campesinato, transformando-o em capitalista ou proletário agrícola e/ou industrial.
No Brasil, os setores do agronegócio e do latifúndio, assim como seus teóricos, também desejam a extinção do campesinato, sustentando suas idéias observando dois aspectos: no aspecto econômico, o atraso da agricultura camponesa, que produz apenas para a subsistência; no campo político, a organização e a luta dos camponeses, que afeta a ordem social burguesa e gera a violência no campo.
Nesta perspectiva, a solução da questão agrária se daria pelo desenvolvimento capitalista do campo, que absorveria o pequeno agricultor, transformando-o em pequeno capitalista ou trabalhador assalariado. A agricultura familiar eliminaria a agricultura camponesa construindo assim o novo rural, marcado pela integração ao mercado e a submissão ao capital.
Assim, tanto para a esquerda clássica quanto para a direita liberal e neoliberal, o fim do campesinato é condição essencial para o desenvolvimento do campo. Na verdade, principalmente para a direita, essa seria uma necessidade do próprio campesinato, enquanto para a esquerda seria uma necessidade do operariado, a classe trabalhadora por excelência.
O novo rural do agronegócio e do latifúndio, transformado em políticas públicas que orientam a política agrícola e a reforma agrária do Estado brasileiro, é apontado como a nova realidade e a paisagem predominante do campo brasileiro. O camponês não tem espaço nessa instituição econômicogeográfica ou porque é atrasado, desenvolvendo uma agricultura de subsistência, ou porque é rebelde, agravando os conflitos no campo – que podem ser resolvidos pela integração ao mercado e a submissão ao capital.
O que os dois lados não compreendem ou não desejam compreender é que o campesinato está sendo recriado – ou pelo menos não está em extinção – em todo o mundo. O caso do Brasil é paradigmático para se compreender a questão do campesinato hoje: os movimentos sociais camponeses, através da luta e da territorialização da luta pela terra[3], estão contribuindo para a recriação do campesinato e a construção da identidade da classe camponesa.[4]
Notas

[1] FERNANDES, B. M. Espaços agrários de inclusão e exclusão social: novas configurações do campo brasileiro. In AGRÁRIA, Nº 1, p. 16-36, 2004.
[2] Ver os seguintes textos MARX, Karl. El capesinado como clase. In SHANIN, Teodor. Campesinos e Sociedades Campesinas. México: Fondo de Cultura Económica, 1979. KAUTSKY, Karl. A questão agrária. São Paulo: Nova Cultural, (1899) 1986, LÊNIN, Vladimir Ilich. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. São Paulo: Nova Cultural, (1899) 1985.
[3] A Geografia Agrária tem desenvolvido essa temática de uma forma muito consistente, tanto em termos teóricometodológicos quanto em termos políticos, mostrando que é possível aliar competência científica com compromisso político. Ver por exemplo, FERNANDES, Bernardo Mançano. Contribuição ao Estudo do Campesinato Brasileiro: Formação e Territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST (1979-1999). (Tese de Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, FFLCH-USP, 1999. FERNANDES, B. M. Espaços agrários de inclusão e exclusão social: novas configurações do campo brasileiro. In AGRÁRIA, Nº 1, p. 16-36, 2004. Para saber mais a respeito desta temática ver as pesquisas desenvolvidas pelo NERA (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária), ligado ao Departamento de Geografia da FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente. Consultar o site www.fct.unesp.br/nera, onde estão disponíveis diversos textos, artigos, boletins e relatórios sobre a questão da reforma agrária no país.
[4] Sobre o processo de formação/gestação de uma classe social ver o trabalho de Thompson, Edward H. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
[1] Professor do Curso de História da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – FAFIDAM/UECE. Coordenador do Grupo de Estudo O Campesinato e a Questão Agrária no Vale do Jaguaribe e membro-fundador do GETRAM – Grupo de Estudo e Trabalho para a Melhoria e Revitalização do Assentamento Bela Vista.

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